Responsável pela produção de um terço da carne de frango que os britânicos consomem, o 2 Sisters Food Group abate 6 milhões de aves por semana, tem mais de 23 mil funcionários em 36 países, e até duas semanas atrás apresentava-se absolutamente confiante em relação ao mercado: "Estamos empenhados em entregar os produtos da mais alta qualidade ao público britânico e aos nossos clientes de varejo e serviço de alimentação. Nossos clientes incluem Aldi, Asda, Co-op, KFC, Lidl, Marks & Spencer, Morrison's, Sainsbury's, Tesco e Waitrose", ostenta em seu site.

Atualmente, uma das suas unidades está paralisada. A empresa decidiu suspender temporariamente as operações para treinar as equipes e rever sistemas de gestão de qualidade e segurança alimentar. Entre os clientes mencionados com orgulho, Marks & Spencer, Aldi, Tesco e Lidl interromperam suas encomendas até segunda ordem. Além disso, a empresa está sendo obrigada se explicar para o público e autoridades, principalmente as da Food Standards Agency (FSA), que estabelece e exige o cumprimento de normas de qualidade e segurança dos alimentos no Reino Unido.

A reputação da 2 Sister Food começou a frangalhar depois que o jornal The Guardian e a ITV News enviaram dois jornalistas disfarçados de empregados para passar alguns dias dentro de duas unidades do grupo. O que eles viram, ouviram e filmaram virou manchete .Entre as descobertas do trabalho investigativo os jornalistas apontam: falta de higiene, manipulação de datas de abate das aves, mistura (na mesma embalagem) de pedaços de carne antiga com a nova e reenvio e recolocação de mercadoria no mercado com alteração da data de validade. Todos os pontos são considerados crimes pela National Food Crime Unit (NFCU), órgão da FSA que atua para proteger os consumidores de atividades criminosas graves que afetam a segurança ou a autenticidade dos alimentos e bebidas.

Num primeiro momento, declarando-se "chocada e angustiada" com as alegações apresentadas, a empresa argumentou que se submete a frequentes auditorias externas e que em uma das plantas onde o jornalista esteve ocorreram nove auditorias recentemente, cinco delas sem aviso prévio. Posteriormente a 2 Sisters Food admitiu que uma investigação interna "mostrou alguns casos isolados de não conformidade com nossos próprios sistemas de gerenciamento de qualidade", razão pela qual as atividades foram suspensas em uma das plantas de processamento da companhia.

Este posicionamento adotado merece atenção, porque a reação mais comum entre as empresas numa situação dessa é "brigar com a notícia", atacar o método de trabalho dos jornalistas, não admitir seus erros e manter operações em locais mesmo que estejam sob suspeita. Do ponto de vista de reputação este é o posicionamento correto. A 2 Sisters Food teve a coragem de assumir suas falhas, tomou a iniciativa de arcar voluntariamente com os custos da interrupção de produção, e se dispôs a rever sua gestão, demonstrando preocupação com a qualidade e segurança dos alimentos que chegam aos consumidores do seu produto.

Quais empresas no Brasil estariam preparadas para agir desta forma? O recente escândalo da "Carne Fraca" mostrou que a maioria do envolvidos optou, antes de mais nada, por tentar desqualificar as alegações ou rebater as denúncias exclusivamente por meio de publicidade.

Outra pergunta a ser feita diante da crise da 2 Sisters Food é: quais empresas do setor de alimentos e ou bebidas no Brasil estariam preparadas para ter jornalistas investigativos infiltrados nas suas linhas de produção com a certeza que não existem irregularidades ou inconformidades que podem viram manchetes?

Quem não tem esta certeza deveria ter, pelo menos, um bom plano de gestão de crise.

(Valdeci F. Verdelho)