Ainda ignorado em muitas empresas brasileiras, ESG se torna um mantra corporativo global que já ecoa em conselhos de administração

A brilhante ativista de inclusão e diversidade Debora Paiva, MSc, conta em sua palestra que quando esteve na Cranfield University (UK) para se formar em Responsabilidade Social Corporativa viu-se diante de professores céticos com seu propósito. Consideravam, os mestres, que o tema era ousado para a realidade brasileira na época, que as empresas não estariam preparadas para assumir as responsabilidades do tema naquele momento. 

Disseminar Capitalismo de Stakeholder suscita, algumas vezes, esta sensação de estar fora da realidade, lançando sementes num solo árido com clima inóspito, em meio a ceticismo e resistências.

Definido por Klaus Schwab, do World Economic Forum, como a melhor maneira de entender e harmonizar os interesses divergentes de todas as partes interessadas, Capitalismo de Stakeholders é fundamentado em princípios de governança, compromissos – e atitudes concretas – em relação ao planeta, às pessoas e à prosperidade. A essência do Capitalismo do Stakeholder é a prática de ESG, espécie de mantra global que propõe nova orientação aos negócios em termos de conduta ambiental, social e de governança corporativa, infelizmente ainda ignorado por muitas empresas brasileiras.

Em questão de governança, que se refere a ética empresarial, somente no primeiro semestre deste ano a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou 70 multas num total de R$ 26 milhões, mais do que o valor correspondente às multas dos 12 meses de 2021 (R$ 19,3 milhões). As sanções da CVM contra as empresas ocorrem diante de falhas administrativas, procedimentos fraudulentos e outras transgressões às regras de mercado ou concorrenciais.

A relação de muitas empresas com recursos naturais e impactos ambientais não é menos negligenciada. Segundo levantamento feito pela BBC News Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apesar de mutilado pelo atual governo, aplica anualmente mais de 10 mil multas ambientais para punir empresas autuadas por diversos crimes contra a natureza e negócios ilegais que causam danos, às vezes irreversíveis, ao ecossistema ambiental.

No campo social, em lugar de condições dignas de trabalho, promoção de diversidade e inclusão, há empresas sendo flagradas por manter empregados em situação análoga à escravidão. Neste ano 500 trabalhadores foram resgatados desta forma de cativeiro em vários locais do País. As denúncias de abuso já não se limitam a assédio moral e sexual. Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial o Ministério Público do Trabalho registrou mais de duas mil denúncias de assédio eleitoral e de outros constrangimentos para funcionários que manifestassem intenção de voto contrária ao candidato de preferência do dono da empresa. Quando se observa o topo das organizações, a presença de negros em posições de comando na gestão é praticamente simbólica.

Apesar deste cenário local, uma recente pesquisa, com o título O capitalismo de stakeholders e conselho de administração: adotando uma nova mentalidade, mostra que globalmente o mantra ESG é entoado com cada vez mais sonoridade. Respondendo uma série de perguntas sobre o envolvimento dos conselhos de administração, 61% dos entrevistados disseram que os conselhos têm alguma supervisão das questões de Capitalismo de Stakeholders. No geral, praticamente a metade (49%) discute essas questões sempre que há necessidade e 16% já o fazem em todas as reuniões de conselho.

De acordo com 153 profissionais de governança de empresas de todos os portes no mundo, 75% das empresas buscam informações sobre necessidades de todos os stakeholders (não apenas dos acionistas) e 21%, em média, têm uma estratégia definida de Capitalismo de Stakeholders. Este percentual varia conforme o porte das empresas e chega a 27% entre as megacorporações. É também entre as gigantes que se verifica maior preocupação dos investidores com o tema. Em 53% das megacorporações questões de Capitalismo de Stakeholders são consideradas muito ou extremamente importantes para seus investidores.

Logo que iniciou sua carreira em Responsabilidade Social Corporativa, Débora Paiva enfrentou dificuldades e resistências como previam seus mestres. Hoje, é uma ativista respeitada que influencia líderes, leva inclusão e diversidade para dentro de muitas empresas. Como evolução da Responsabilidade Social Corporativa, o Capitalismo de Stakeholders também tende a ser tratado com ceticismo e enfrentar resistência. Resultados de pesquisa como esta apresentada aqui não revertem o cenário imediatamente, mas podem contribuir para uma nova mentalidade em que as empresas, mais do que gerar lucro para os acionistas, gerem valor para todas as partes interessadas numa perspectiva de igualdade e equidade social, respeito ao planeta e ética nos negócios.