De repente, jornais, rádios, televisão começam a publicar que seu principal produto, o analgésico que gera 450 milhões de dólares em vendas anuais e 15% do lucro da companhia, está envenenado e matando pessoas. A isto se segue pressão de autoridades, inquisição da polícia, exposição negativa, bombardeio de questionamentos, especulações e distorções; médicos e pacientes em pânico, população aterrorizada, clientes, fornecedores e funcionários desesperados. Um problema que começou na mídia local, em Chicago, se tornou um drama americano com repercussão internacional. No entanto, a empresa reage rapidamente. Assume o papel de vítima, que teve o produto adulterado com adição de cianeto, e toma uma série de medidas que num curto espaço levariam a transformar a tragédia num exemplo memorável de como defender e preservar a reputação.

Estes acontecimentos reais, no final de setembro de 1982, nos Estados Unidos, deram origem ao famoso Case Tylenol, que tornou a Johnson & Johnson reverenciada no mundo por oferecer a (provavelmente) primeira grande lição de gestão de crise para recuperar a imagem abalada e assegurar a continuidade dos negócios.

O tempo passou e a mesma Johnson & Johnson daquela heroica jornada hoje sofre o impacto de sucessivos golpes que deixam sua imagem exposta negativamente. Há menos de um mês, foi condenada, num júri da Filadélfia, a pagar indenização de US$ 8 bilhões a um reclamante por conta de efeitos colaterais atribuídos a um medicamento, que neste caso estaria provocando o crescimento indesejável de mamas no paciente. Para a justiça, o risco deste efeito colateral foi minimizado pela empresa, que vai recorrer.

Mas o que mais tem manchado a reputação da gigante farmacêutica agora é o Baby Powder e os opioides. A empresa enfrenta uma nuvem de ações alegando que o Baby Powder, seu talco recordista absoluto de vendas, contém amianto, substância cancerígena que afeta os ovários. No total, são mais de 14 mil processos em diversos tribunais e alguns já têm se manifestado, como o St. Louis, em julho passado, determinando o pagamento de US$ 4,69 bilhões a 22 mulheres e suas famílias que atribuíram o diagnóstico de câncer de ovário ao uso de Baby Powder. Além disso, na semana passada a empresa anunciou o recall, voluntário, de mais de 30 mil unidades do produto no mercado americano depois que a Food and Drug Administration (FDA), a entidade reguladora dos Estados Unidos, descobriu vestígios de amianto no talco.

Em relação aos opioides, em agosto a J&J foi condenada a pagar uma multa de US$ 572 milhões por danos ao estado de Oklahoma, onde o juiz Thad Balkman considerou que a empresa promoveu de forma enganosa o uso de analgésicos à base de opióides que são viciantes. 

Em ambos os casos, a empresa contesta as decisões da justiça. Sobre a derrota diante de mulheres que tiveram câncer de ovário, alega que “o veredicto contradiz 30 anos de pesquisa apoiando a segurança dos seus cosméticos e que pretende apelar. Nesta guerra, que deve ser longa nos tribunais, as mulheres vítimas de câncer ganharam munição adicional em dezembro passado, quando a agência Reuters publicou documentos mostrando que, pelo menos desde 1971, a empresa já sabia do temível amianto no talco destinado aos bebês.

Para se defender na questão de opioides, o representante sustentou que a empresa “estava atendendo a uma necessidade desesperada de pessoas que viviam com dores debilitantes, com medicamentos devidamente regulamentados pela FDA e até comprados pelos serviços de saúde de Oklahoma.

Enquanto as cápsulas de Tylenol contaminadas com cianeto causaram sete mortes, as overdoses de opioides mataram, em um ano, mais de 47 mil pessoas nos Estados Unidos. No final de 2017, a comissão presidencial criada para tratar deste problema, apresentou um relatório dramático: “nosso povo está morrendo. Mais de 175 vidas perdidas todos os dias. Se uma organização terrorista estivesse matando 175 americanos por dia em solo americano, o que faríamos para detê-los? Entre a recomendações, a comissão sugeriu envolver todas as partes interessada para desenvolver estatutos, regulamentos e políticas para os pacientes entenderam os riscos e alternativas ao uso de opioides.

Quando se viu diante da crise do Tylenol, em 1982, A J&J recolheu rapidamente milhões de frascos do produto que estavam à venda em todo o mercado americano, investiu em mídia nacional alertando o público sobre o risco, estabeleceu comunicação direta com milhares de médicos (numa época em que não havia internet) e o então CEO James E. Burke esteve diante das câmeras e microfones o quanto pode para esclarecer dúvidas, orientar o público e informar sobre as iniciativas da companhia.

Foi uma grande lição de como defender a marca, preservar a reputação e, principalmente, deixar caminhão para a recuperação, tanto que o Tylenol retomou a liderança do mercado logo após o relançamento.

Se o case Tylenol foi uma grande aula, a experiência atual da J&J com Baby Powder e a crise dos opioides oferece uma nova lição. Um fato glorioso num dado momento não é suficiente para sustentar infinitamente a reputação. Manter a reputação em alta é algo que demanda cuidado permanente. Exige estratégia, ações e atitudes sintonizadas com o contínuo empoderamento dos stakeholders. Sem isso, a confiança se desgasta e os riscos de contra indicações e efeitos colaterais que borram a imagem da indústria são cada vez maiores.

Valdeci F Verdelho