A ressaca da Cervejaria Backer, envolvida em casos de síndrome nefro neural com pelo menos três vítimas fatais, em Minas Gerias, ocorreu às vésperas do primeiro aniversário do catastrófico vazamento na barragem de Brumadinho, que já deixou 257 mortos, uma conta de R$ 6 bilhões para Vale e um rastro inapagável de destruição na região. Empresas tão diferentes, uma global e outra local, ingressaram no inferno de estarem associadas a mortes de pessoas, vistas sob suspeição da opinião pública, pressionadas por autoridades, bombardeadas por questionamentos de todos os grupos de stakeholders e submetidas ao assédio insaciável da mídia.

Em situações assim surgem especulações, distorções e não faltam teorias de conspiração. Mas o fato é que não se trata nenhuma maldição ou ira de deuses ou demônios. Trata-se apenas de uma constatação tão simples quanto inexorável, nem sempre levada a sério pelos executivos: crises acontecem e toda empresa deveria se preparar adequadamente para esta eventualidade.

Gigantes como Pepsico e Unilever sofreram isso há poucos anos quando consumidores ingeriram produtos contaminados com soda cáustica das consagradas marcas, Toddynho e Ades, respectivamente. A incensada Perrier fez um recall voluntário de 70 milhões de garrafas, em fevereiro de 1990, após detectar vestígios anormais de benzeno no seu produto até então considerado símbolo de pureza. No final daquela mesma década as vendas da Coca Cola chegaram a ser proibidas temporariamente em quatro países europeus devido a uma contaminação, inicialmente na Bélgica, que levou dezenas de crianças para os hospitais depois de tomarem refrigerantes. Em 2016, nos Estados Unidos, a fabricante da cerveja Corona realizou um recall e alertou os consumidores sobre o risco resíduos de vidro em algumas garrafas.

Além de exposição negativa diante da opinião pública e danos que podem demandar muito tempo para restabelecimento da confiança na marca, crises são causadoras de perdas financeiras. Os traços de benzeno na Perrier resultaram em perdas de vendas estimadas em U$ 40 milhões e o valor das ações da companhia também caiu naquele período. A contaminação do Ades custou R$ 200 milhões para a Unilever, que acabou vendendo a marca para a Coca Cola.

Empresas de todas as nacionalidades em qualquer setor estão sujeitas a situações de crise em algum momento. A diferença é como estão preparadas e como reagem. Algumas parecem acreditar que suas marcas são inabaláveis e que basta o “toc toc toc” na madeira para afastar os riscos. Outras, mais consequentes, seguem o exemplo da Johnson & Johnson. Quando frascos de Tylenol foram contaminados criminosamente com cianeto, em 1982, matando sete pessoas nos Estados Unidos, a empresa agiu de tal forma que transformou a tragédia numa grande lição de como defender e preservar a reputação.

Quando viu sua marca arruinada, a J&J recolheu rapidamente milhões de frascos do produto que estavam à venda em todo o mercado americano, investiu em mídia nacional alertando o público sobre o risco, estabeleceu comunicação direta com milhares de médicos (numa época em que não havia internet) e o então CEO, James E. Burke, esteve diante das câmeras e dos microfones o quanto pôde para esclarecer dúvidas, orientar pacientes e informar a todos sobre as iniciativas da companhia.

Resumindo, a J&J não esperou que as autoridades cuidassem do recall por ela. Não deixou vácuo de informação (que contribui para alimentar boatos), foi transparente, planejou e executou tudo com agilidade, assumiu protagonismo, dirigiu mensagens claras para todos os stakeholders e contou “sua história” de modo a criar uma percepção positiva para a opinião pública em favor da marca. Esta é uma lição que se conhece desde 1982 e recomendada mundialmente, mas que ainda precisa ser aprendida por quem parece não acreditar que crises acontecem ou supõe que suas marcas jamais serão atingidas.

Valdeci F Verdelho

Artigo publicado em 27-01-2020 no jornal Meio & Mensagem.